Beleza. privilégio e poder

    Eu nunca gostei muito de concursos de beleza. Sempre que eu observava as mulheres que estavam concorrendo eu via nelas uma impossibilidade. Eu explico: sou uma mulher negra, na rl e no sl. Cresci ouvindo que as minhas características não eram vistas como beleza. As belas, segundo as pessoas que estavam ao meu redor, eram as morenas, as ruivas e principalmente as loiras. Eu, que no máximo seria uma mulata (sic), seria sempre posta de lado. Não vou criar um discurso sobre o quanto isso é nocivo para o crescimento e auto-estima de mulheres no país, formado prioritariamente por pessoas negras e não-brancas. Prefiro ir para outro lugar: qual sentido de criar ou manter um conceito de beleza onde a maior parte da população não se enquadra?
    Os concursos da beleza feminina foram sempre celebrados em festas populares. Mas foi a partir do séc. XX que eles foram postos enquanto instituição. Nesse contexto, eles serviam para reafirmar valores que já estavam postos: mulheres caucasianas eram os padrões de beleza e as metas a serem alcançadas por todas as outras mulheres. Não nos enganemos, o concurso de beleza é uma instituição tradicional e conservadora. Até o ano passado, apenas 5 mulheres negras foram coroadas como Miss Universo, sendo elas: Janelle Commissiong, em 1977, Wndy Fitzwilliam, em 1988, Mpule Kwelagobe em 1999, Leila Lopes em 2011 e Zozibini Tuzi em 2019. São poucas as mulheres negras que ganharam a faixa e a coroa. Mas o mundo tem mudado, a passos lentos, e celebrado outras belezas que não são as padronizadas. Mulheres com características afro, mulheres andrógenas, mulheres trans e travestis são algumas das belezas que estão sendo incluídas no mundo da moda e que extasiam os olhares do público. Mas, para não abrir o leque demais, vamos focar na beleza negra.
    Quando olhamos para o concurso de beleza, e a celebração da beleza negra, precisamos entender um pouco de movimento político e social. Foram eles que possibilitaram debates sobre a violência física e simbólica que o corpo negro sofreu e sofre ainda. Eu não acho justo aqui nesse pequeno ensaio mencionar um enquanto todos, nos seus diferentes contextos, possuem uma grande importância. E foram eles que possibilitaram a ressignificação de negros em locais de destaque, nos concursos e na arte. Lembro de quando Taís Araújo fez a primeira Helena negra na novela de Manoel Carlos de foi um enorme alvoroço. Sem Abdias do Nascimento fazendo o teatro experimental do negro na década de 40, existir uma "Helena negra" no século XXI não seria possível. Dito isso, é a sociedade que modifica o concurso. O concurso reafirma tendencias do mundo. Ou contradiz, quando insiste em reafirmar valores ultrapassados.
    No contexto ainda dos movimentos sociais, existiu um movimento chamado "Black is Beautiful". Esse movimento desdobrou-se em reverberações mais contemporâneas como camisas com frases escritas "100% negão" e frases semelhantes. Esse movimento arrancou e ainda arranca muitas críticas de uma comunidade que tende em não abster de seus privilégios. Então, para deixar escurecido: qualquer movimento de exaltação dos corpos, dos fenótipos afrodescendentes não são um ataque à branquitude. São apenas celebrações de nossas belezas. São chamamentos para nossas auto-estimas que são atacadas todos os dias. Por que precisamos reafirmar todos os dias que temos orgulho de ser negros para não desejarmos não termos nascidos negros. E quando falamos de mulheres negras, estamos falando da base da pirâmide social (não colocando-nos como inferiores e sim afirmando que sem a mulher negra a sociedade desmorona). "Quando a mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta com ela." afirma Angela Davis. A mulher negra que nunca sofreu desejou ser branca em algum momento da sua vida é uma pessoa excepcional com uma auto-estima maravilhosa, por que o mundo trabalha exatamente para o contrário. Por isso se torna tão importante os concursos de beleza para mulheres negras. Participar e vencer um concurso de beleza é um compromisso estético, dentro da perspectiva mais filosófica e política da palavra estética.
    Dito isso, no SL está acontecendo especificamente um concurso voltado para a beleza negra e latina. Tal concurso está dentro da comemoração da semana da mulher negra e latina. As pessoas que não se enquadram nessas categorias estão convidadas a, com sua solidariedade, participarem e celebrarem esse momento e essas mulheres. E vale sempre lembrar que racismo reverso (de negros para brancos) não existe, já que racismo é a discriminação de uma etnia privilegiada para outra etnia sem poder. Basta ter conhecimento de história para saber que negros nunca tiveram em posição privilegiadas com relação aos brancos. Não cometa essa mancada. Repitam com titia: RACISMO REVERSO NÃO EXISTE!

Black is beautiful.
Oxalá nos abençoe.

observação importante: mulata é uma palavra discriminatório e está em desuso, não chamem um mulher negra mestiça de mulata. Mulata vem de mula, um animal irracional. Chame-a de negra, assim como você chama a loira de loira e a ruiva de ruiva.


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